Artigo do interesse
História da Hipnose
por William J. Bryan, Jr. M.D.
Índice |
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PARTE A: HISTÓRIA PREGRESSA |
Seção 10. Dr. Eugene Azam |
PARTE B: HISTÓRIA MODERNA |
Seção 11. Sigmund Freud |
Seção 1. Padre Gassner |
Seção 12. Milne Bramwell |
Seção 2. Franz Anton Mesmer |
Seção 13. Outros Médicos da Época |
Seção 3. Marquês de Puysegur |
PARTE C: HISTÓRIA RECENTE |
Seção 4. James Braid |
Seção 1. Cientistas Contemporâneos na Área |
Seção 5. John Elliotson |
Seção 2. Dr. Sydney Van Pelt |
Seção 6. James Esdaile |
Seção 3. O Hipnotismo na França |
Seção 7. Dr. Ambroise-Auguste Liebeault |
UMA ARTE ANTIGA RETORNA À FRANÇA |
Seção 8. Jean Martin Charcot |
Avanços Recentes da Hipnose nos Estados Unidos |
Seção 9. Josef Breuer |
Notas do Editor e do Tradutor |
PARTE A: HISTÓRIA PREGRESSA
A história da hipnose, na realidade, iniciou-se antes da existência de qualquer relato escrito da história humana. Nas cerimônias religiosas e de cura de todos os povos primitivos que já habitaram este planeta existem elementos essenciais para induzir seus participantes em transe hipnótico. Assume-se, portanto, pelo estudo das cerimônias de povos primitivos ainda existentes na África, na Austrália e em outros lugares, que, mesmo antes da história começar a ser gravada, as induções eram realizadas através de cantos rítmicos, batidas monótonas de tambores, juntamente com o olhar fixo dos olhos acompanhado de catalepsia do resto do corpo.
Tais cerimônias primitivas tinham como ponto essencial o foco central da atenção, com áreas neurológicas vizinhas de inibição, sendo estes dois fatores responsáveis por 95% da indução do transe hipnótico. Na realidade é sem importância que estas cerimônias sejam chamadas de religiosas, curandeirismo ou uma combinação de ambas. O fato é que o estado de transe existia e seu caráter era hipnótico, apesar de que a palavra “hipnose” jamais fora aplicada a ele antes deBraid cunhar o termo em 1842.
Todos aqueles que viajam através do mundo estão familiarizados com indús, faquires, iogues, encantadores de serpentes, e adeptos da Magia no ocidente que induzem em si e em outros, estados catalépticos através da fixação dos olhos e de outras técnicas de mesmerismo, capazes de realizar proezas físicas e de eliminar a dor.
Um incidente interessante foi relatado por James Esdaile, autor de Hypnosis in Medicine and Surgery, onde descreve um método para se produzir anestesia usado por um famoso mago oriental da época: “9 de Junho de 1845 – Hoje tive a honra de ser apresentado a um dos mais famosos magos de Bengala, que desfruta de grande reputação devido ao seu tratamento eficaz da histeria, e que havia sido chamado para prescrever para meu paciente (cujo caso será explicado depois), mas chegou muito tarde; pois com o sucesso do meu encantamento (Mesmerismo), nada restou para ele fazer. Baboo Essanchunder Ghosaul, deputado magistrado de Hooghly, a meu pedido, apresentou-me a ele como um irmão mago, que havia estudado a arte da magia em diferentes lugares do mundo, mas particularmente no Egito, onde eu havia aprendido os segredos do grande Soolevmann, com os mulás e os faquires, e que eu tinha o grande desejo de comprovar se nossos encantamentos eram os mesmos, pois os maometanos da Europa estimavam muito os homens sábios do oriente, sabendo que todo conhecimento havia ali se originado. Eu sugeri que devíamos mostrar nossos encantamentos um ao outro, e, após convencê-lo, ele concordou em mostrar-me seu processo de alívio da dor. Ele pediu um pote de metal contendo água e um pequeno galho com duas ou três folhas, e começou a resmungar seus encantamentos, à meio metro de distância do paciente. Logo depois, ele mergulhou seu dedo indicador na água, e, com a ajuda de seu polegar, jogou pingos no rosto do paciente. Ele então pegou as folhas e começou a bater na pessoa do topo da cabeça até os dedos dos pés, com um vagaroso movimento no ar. As articulações de seus dedos quase tocavam o corpo do paciente, e ele disse que continuaria com este processo por uma hora ou mais se necessário. E isto me convenceu de que estes encantadores, quando quer que tenham sucesso com estes meios, este é devido à influência mesmérica, provavelmente desconhecida para eles mesmos. Eu disse que estava convencido da grande eficácia de seu encantamento, e que agora lhe mostraria o meu, mas que ele o compreenderia melhor se realizado em sua própria pessoa. Depois de alguma dificuldade, conseguimos fazer com que ele se deitasse e encarasse meus procedimentos com a devida solenidade. Eu cantei, como uma invocação, o coro de “Kings of the Cannibal Islands”! Eu queria que ele fechasse seus olhos, e ele apertou suas pálpebras firmemente, para que eu não achasse a entrada para o cérebro através daquele orifício. Depois de quinze minutos ele deu um pulo, dizendo que havia sentido algo desagradável vindo por cima de si, e quis escapar. Entretanto, ele foi novamente persuadido a se deitar, e logo vi os músculos em volta de seus olhos começarem a relaxar e seu rosto tornou-se perfeitamente suave e calmo. Eu estava certo de que havia pego meu irmão mago tirando uma soneca, mas, depois de alguns minutos, ele levantou-se repentinamente, juntou as mãos na cabeça gritando que se sentia embriagado, e nada podia induzi-lo a se deitar novamente: “abiit, excessit, evasit, erupit!”. No dia seguinte, eu o encontrei e disse: “Bem, na última noite você foi muito forte para meu encantamento, e não consegui fazer você dormir”. “Oh! Sim, Sahib”, respondeu, “Você conseguiu; eu permiti; é permitido que você me faça dormir”.
Tal como Moll observou, estes fenômenos hipnóticos também são constatados como tendo existido há vários milhares de anos entre os Magos da Pérsia, até a presente época entre os iogues e faquires da Índia.
O mais antigo relato registrado de curas através da hipnose foi obtido nos Papiros de Ebers, os quais nos dá uma idéia a respeito da teoria e prática da medicina egípcia antes de 1552 A.C.. Nos Papiros de Ebers é descrito um tratamento no qual o médico colocava suas mãos sobre a cabeça do paciente e, afirmando possuir poderes sobre-humanos de cura, recitava estranhos mantras terapêuticos que eram sugeridos aos pacientes, resultando em cura. O Rei Pyrrhus do Egito, o Imperador Vespasiano, Francis I da França e outros reis franceses até Charles X, praticavam a cura dessa maneira.
Acredita-se que os egípcios tenham sido os criadores dos “Templos do Sono”, nos quais os sacerdotes administravam tratamento similar em seus pacientes através do uso da sugestão. Estes templos tornaram-se muito populares no Egito, espalhando-se posteriormente para a Grécia e Ásia Menor.
É sabido que Hipócrates, o médico grego mais frequentemente citado como o “pai da medicina”, e cujo juramento é feito por todos os médicos ao se formarem, discutiu o fenômeno afirmando que “a aflição sofrida pelo corpo, a alma enxerga muito bem com os olhos cerrados”.
Os romanos tomaram emprestado dos gregos a cura pelo transe, bem como diversos outros aspectos da cultura grega, durante o período do grande Império Romano. Muitos homens de grande sabedoria foram trazidos da Grécia como escravos para ensinar os jovens romanos. Entre os romanos, Esculápio costumava induzir seus pacientes a um “sono profundo”, aliviando a dor através de leves pancadas com sua mão.
O advento do Cristianismo tem muito a ver com o declínio da hipnose e da cura através do transe, porque a hipnose passou a ser considerada uma prática de feitiçaria, e a cura através do transe, quando praticada, era cercada de todo segredo possível. Todavia, apesar disto Jesus empregou a hipnose para realizar vários de seus milagres. Uma completa discussão desse assunto é encontrada no meu livro Religious Aspects of Hypnosis, publicado em 1962 por Charles C. Thomas and Co., Springfield, Illinois.
No século X, Avicenna, um grande médico árabe, afirmou: “A imaginação pode fascinar e modificar o corpo de um homem, tornando-o doente ou restaurando-lhe a saúde”.
Por volta da metade do século dezesseis, um homem chamadoTheophrastus Paracelsus expôs uma nova teoria a respeito da produção de doenças. Esta teoria afirmava que certos corpos celestes, especialmente as estrelas, influenciavam o comportamento dos homens. Ele também postulou que os homens influenciavam uns aos outros, preceito este que ainda é um conceito básico no estudo da “psicologia do comportamento”.
Van Helmont, Maxwell da Escócia e Santanelli da Itália, afirmaram praticamente a mesma coisa por volta do ano de 1600, estabelecendo a fundação para o conceito do magnetismo animal, que mais tarde seria tornado famoso por Mesmer. É possível provar que quase toda civilização antiga estava familiarizada, de uma forma ou de outra, com a hipnose. LeCron lembra que está descrito em alguns Mantrasindianos, escritos em caracteres antigos, que os mongóis, os tibetanos e os chineses possuíam o conhecimento da hipnose, e que até mesmo uma descrição detalhada do assunto é dada no Kalevala, o grande poema épico dos finlandeses.
PARTE B: HISTÓRIA MODERNA
Seção 1. Padre Gassner
É irônico o fato de que a história moderna da hipnose inicie-se não com um médico, mas com um membro do clero, um padre católico que viveu em Klosters. O Padre Gassner defendia a tese de que, de acordo com as crenças da época, os pacientes doentes estavam possuídos por demônios, que deviam ser banidos, antes que o paciente pudesse novamente gozar de boa saúde. Gassner obteve o consentimento da Igreja para suas ações através da afirmação de que Deus estava agindo através dele para expulsar os demônios que estavam possuindo seus infelizes pacientes.
Diferentemente de outros homens de sua época, o Padre Gassner não fazia segredos de seus métodos, e freqüentemente permitia que médicos observassem-no administrando seu tratamento. Os médicos que se apresentavam para observá-lo em ação eram conduzidos a uma sala parecida com um pequeno teatro onde se acomodavam, e então o paciente era posicionado numa espécie de palco no centro desta sala para esperar pelo Padre Gassner. Com o objetivo de melhorar ainda mais o espetáculo, no ‘timing’ de sua entrada, Gassner caminhava até a plataforma através de um longo promontório negro, segurando um grande crucifixo de “ouro” com a mão estendida ao alto. O paciente era de antemão avisado que quando o Padre Gassner o tocasse com o crucifixo, ele prontamente cairia ao chão e permaneceria ali esperando novas instruções. Os pacientes de Gassner eram instruídos a “morrer” enquanto jaziam prostrados ao chão, e que durante este período de “morte” Gassner expulsaria os demônios de seus corpos, devolvendo-lhes a vida normal novamente. (Esta idéia de renascimento permeia tanto a hipnose quanto a religião, inclusive suas formas mais primitivas). Este assunto é discutido em maiores detalhes em meu livro entitulado Religious Aspects of Hypnosis.
Depois que algum médico examinava o paciente, não sentindo seu pulso, não ouvindo as batidas do coração e dando-o como morto, o Padre Gassner ordenava que o demônio partisse e, logo após, o paciente ‘ressuscitava’ e se levantava completamente curado. É dito que Mesmer assistiu várias performances do Padre Gassner por volta de 1770, sendo depois responsável pela introdução do fenômeno na prática médica.
Seção 2. Franz Anton Mesmer
Franz Anton Mesmer, filho de um guarda florestal, nasceu em 23 de maio de 1734, em Iznang, no Lago Constance, Alemanha. Ele estudou nas Universidades de Dillingen e Ingolstadt, na Áustria, onde recebeu seu Ph.D., estudando Direito posteriormente. Recebeu seu grau de Doutor em Medicina no ano de 1766, depois de apresentar um artigo com o título de ‘De Planetarum Influx’ (Sobre a Influência dos Planetas). Dois anos depois de sua graduação, Mesmer casou-se com a rica viúva de um Tenente-Coronel do exército, de nome Marie Anna Von Posch, em 10 de janeiro de 1768. Incapaz de aceitar a hipótese do Padre Gassner de que os pacientes eram possuídos por demônios, Mesmer acreditava que de alguma maneira o crucifixo de metal empunhado por Gassner fosse talvez o responsável pela magnetização do paciente; então desenvolveu suas idéias e explicou os resultados na teoria do magnetismo animal, testada pela primeira vez em 1773, em uma jovem de 28 anos, Franziska Osterlin, que por acaso se casou com Fredrich Von Posch, enteado de Mesmer. Mesmer publicou seu primeiro relato da cura magnética em 1775, sob o título de Schreiben Über die Magnetiker. Apesar de sua fama continuar a se espalhar, ele foi forçado a deixar Viena após o famoso caso Paradis, no qual o Dr. Von Stoerck e o Dr. Barth foram seus oponentes. Em 1777, Maria Theresa Paradis, uma jovem pianista cega, e favorita da Imperatriz da Áustria, que recuperou sua visão depois de ser tratada por Mesmer, apesar do fato de ter estado por dez anos sob os cuidados do maior especialista em olhos da Europa, o Dr. Von Stoerck, sem qualquer melhora. Influenciada por médicos ciumentos, a mãe da criança afastou-a dos cuidados de Mesmer antes da cura estar completa. Numa cena de emocionalismo, a mãe deu um tapa no rosto da criança por ela não querer deixar a clínica do Dr. Mesmer, fazendo com que a cegueira histérica se reafirmasse.
No entanto, a influência de Mesmer ainda era grande o bastante para garantir uma recomendação do Ministro do Exterior austríaco à Embaixada Imperial em Paris, para onde se mudou em fevereiro de 1778. Ele fundou uma clínica com D’Eslon, na Place Vendôme, e publicou seu famoso livro em 1779, Mémoire Sur La Découverte Du Magnetisme Animal.
Em 1784, o governo francês investigou Mesmer, declarando-o um farsante. Entretanto, Benjamin Franklin, que era membro do comitê de investigação, escreveu o relatório da minoria, que afirmava que o fenômeno era digno de maiores considerações. Outros membros da comissão eram Jussieu, famoso por sua ligação com os Twilleries; Guillotin, o inventor da guilhotina, que leva seu nome; e Lavoisier, o famoso químico francês cujo nome ainda é familiar aos americanos como o nome de uma marca de antisséptico bucal! A descrição fascinante de Esdaile a respeito da investigação afirma que ele acreditava que o veredito era justo o bastante, considerando a natureza das provas apresentadas aos membros da comissão. Ele continua afirmando: “…mas entretanto, (tal é a falibilidade humana), neste caso, summum jus também era summa injuria; a verdade foi sacrificada à falsidade, como penso que se tornará claro de uma rápida análise dos procedimentos. Este provavelmente não será tempo perdido, pois tenho ouvido cavalheiros inteligentes dizerem que o relato dos filósofos franceses ainda decidiam suas opiniões. Eles tinham uma série de axiomas sobre o Mesmerismo que lhes foram apresentados, cuja verdade eles examinariam e a eficácia de certos processos deveria ser provada para sua satisfação através de experimento.
O objetivo dos Mesmeristas parece ter sido tentar convencer a comissão de que Mesmer possuía um segredo digno de ser aprendido, e ao mesmo tempo continuar a guardá-lo para si ocultando sua extrema simplicidade sob o manto de um complicado mecanismo e vários tipos de teatralismos. D’Eslon, aluno de Mesmer, propôs suas leis do Magnetismo Animal desta forma:
I. O magnetismo Animal é um fluído universal, constituindo um polônio absoluto na natureza, e o meio de toda influência mútua entre os corpos celestes, e entre a terra e os corpos animais. Esta é uma afirmação muito exagerada.
II. É o fluído mais sutil na natureza, capaz de fluxo e de refluxo, e de receber, propagar, e dar continuidade a todas as formas de movimento.
III. O corpo animal está sujeito às influências deste fluído através dos nervos, que são imediatamente afetados por ele. Não vemos outra maneira no presente.
IV. O corpo humano possui pólos e outras propriedades, análogas ao ímã. A primeira proposição jamais foi provada, e admite tudo como sendo correto; e na segunda existe apenas probabilidade.
V. A ação e a virtude do magnetismo animal pode ser transmitida de um corpo a outro, quer animado ou inanimado. Isto está correto, no que diz respeito às relações entre corpos animados; e estes podem também impregnar substâncias inanimadas.
VI. Opera a uma grande distância, sem a intervenção de qualquer pessoa. Verdadeiro.
VII. É aumentado e refletido por espelhos, transmitido, propagado e aumentado pelo som, e pode ser acumulado, concentrado, e transportado.
VIII. Não obstante a universalidade deste fluído, todos os corpos animais não são afetados por ele; por outro lado existem alguns, apesar de que pequeno em número, cuja presença, destrói todos os efeitos do magnetismo animal. A primeira parte está correta, a última não é improvável.
IX. Por meio deste fluído, doenças nervosas são curadas imediatamente, e outras medialmente; e suas virtudes, de fato, estendem-se à cura universal e a preservação da Verdade da humanidade, a um grau tão elevado, que ainda não sabemos o quão longe poderá ir.
Surpreende o fato de que a comissão desdenhosamente recusou tamanha quantidade de asserções absolutas e de teorias insustentáveis, com certeza temperadas com verdade, porém tão diluídas e obscurecidas a ponto de se tornarem irreconhecíveis? Como uma testemunha de Bengala, D’Eslon não se contentou em simplesmente dizer a verdade, mas acrescentou por conta própria tantas invenções corroboradoras a ponto de ninguém saber em que acreditar, e o caso foi encerrado como indigno de posterior investigação. Ele arruinou a si e a sua causa também, (talvez por ignorância) ao carregar a verdade com um pacote de maquinarias espalhafatosas, através das quais esperava que o poder da natureza penetrasse. Mas a Natureza, como um camelo sobrecarregado, virou-se contra seu condutor, jogando a si e sua parafernália de plataformas magnéticas, bastões e cordas condutoras, pianos, árvores e baldes magnetizados, na lama; e a verdade retirou-se em desgosto para o fundo de seu poço, para lá permanecer até que homens mais honestos pudessem novamente extraí-la para surpreender e beneficiar o mundo.
Até onde concerne minha observação, tudo o que é necessário para o sucesso, se as partes estiverem na relação do agente e do sujeito, é a obediência passiva do paciente e uma atenção e paciência sustentada por parte do operador. O processo sendo natural, quanto mais as partes estiverem num estado natural, melhor: os corpos de meus pacientes estando despidos, e suas cabeças geralmente raspadas, provavelmente não é de pouca conseqüência nos procedimentos…”
Existem algumas asserções muito importantes neste excerto do livro de Esdaile. Em primeiro lugar, ele certamente salienta claramente a razão por que a comissão rejeitou o fenômeno como sendo indigno de posteriores investigações. Segundo: ele também ilustra a questão de forma dupla através do acréscimo de um número de suas próprias concepções erradas, concepções estas que no entanto eram aceitas como verdadeiras em sua época, no que diz respeito à prática médica. Terceiro: ele sumariza uma teoria realmente astuta e brilhante em apenas uma sentença: ‘Até onde concerne minha observação, tudo o que é necessário para o sucesso, se as partes estiverem na relação do agente e do sujeito, é a obediência passiva do paciente e uma atenção e paciência sustentada por parte do operador.’ Quarto: ele faz uma observação que poderia servir para outros experimentos: O processo sendo natural, quanto mais as partes estejam num estado natural, melhor. Isto poderia ser conseguido de uma forma melhor por outros meios que não a mera nudez, apesar de que, talvez, possivelmente o fato de estar nu, o indivíduo psicologicamente está “sem defesa”, ou mais “submisso”. Meu método favorito de indução é levar o paciente com todos os seus sentidos para uma viagem a uma área de floresta primitiva, cheia de paz e quieta, tranqüila e calma, onde a concentração e o relaxamento são maiores. Os espíritos da obediência passiva, bem como da viagem à vastidão da natureza para buscar comunhão com Deus, fazem parte de toda grande religião do mundo.
O acima já é o suficiente no que tange ao relatório da comissão que teve como seu principal efeito a denúncia de Mesmer, seus métodos e suas teorias, apesar de que suas teorias estavam, na realidade, sendo mais julgadas do que seus métodos.
Depois de ser denunciado em Paris, a popularidade de Mesmer rapidamente diminuiu, e então ele viajou para a Inglaterra, Itália e Alemanha, retornando para uma rápida visita a Paris antes do início da revolução. Ele então estabeleceu-se em Frauenfeld, na Suíça, até o verão de 1814, quando mudou-se para Morsburg, onde faleceu no dia 5 de março de 1815.
Não é de conhecimento geral, mas no entanto verdadeiro, que Mesmer e seu filho publicaram trabalhos sobre o magnetismo animal, e até mesmo hoje cópias destas obras completas podem ser obtidas.
Quando os pacientes de Mesmer eram colocados em banheiras cheias de água e de limalhas de ferro das quais sobressaíam-se varas maiores de ferro, Mesmer sugeria a eles que, quando os tocasse com seu bastão magnético, eles se tornariam magnetizados e eventualmente entrariam num estado de “crise” do qual sairiam curados. Seus pacientes invariavelmente se curavam e Mesmer considerava a crise uma necessidade absoluta para a cura. Mesmer era uma figura muito imponente com seus longos robes, segurando seu bastão magnético e passando de quarto em quarto em sua clínica. Seus métodos de magnetismo, portanto, permaneceram inqüestionados e seu discípulo e aluno de boa fé, o Marquês de Puysegur, colocava pacientes em um transe que chamava de sonambulismo artificial, no qual os pacientes não entravam num estado de crise, mas num estado de calmo relaxamento. (O Marquês havia se esquecido de sugerir de antemão aos seus pacientes que eles experimentariam um ‘ataque’!)
Seção 3. Marquês de Puysegur
O Marquês de Puysegur foi responsável pela descrição das três características fundamentais da Hipnose: 1) concentração dos sentidos no operador, 2) aceitação das sugestões sem questionamento, e 3) amnésia em relação a acontecimentos em transe. Em 1814, o Padre Faria sugeriu que os fenômenos descritos por Mesmer não eram causados pelo magnetismo animal, mas, na realidade, pela sugestão. No entanto, a popularidade de Mesmer estava tão bem estabelecida que a hipótese de Faria foi logo esquecida. O Dr. Wolfart, a pedido do governo da Prússia, viajou de Berlim para Frauenfeld em 1812, para investigar Mesmer e para aprender tudo o que o que fosse capaz a respeito do magnetismo animal, trazendo posteriormente este conhecimento para a Universidade de Berlin. No mesmo período, Koreff já estava em Paris numa missão semelhante. O Mesmerismo espalhou-se rapidamente através da Europa, incluindo a Suíça, a Itália e até mesmo os países Escandinavos. Isto produziu muitos especialistas, incluindo Eschenmayer, Kerner, Lallemant, Schelling, Passavant, Kluge, Pace, Ostermeyer, Pfaff, Pezold, Selle, Bartels e muitos outros.
Seção 4. James Braid
No dia 13 de novembro de 1841, um magnetizador francês chamado La Fontaine, que demonstrou o Mesmerismo, introduziu James Braid pela primeira vez ao Mesmerismo (teoria baseada no magnetismo animal) e aos experimentos mesméricos numa reunião acontecida naquele dia. Uma descrição completa desta reunião pode ser encontrada por escrito juntamente com uma história detalhada da atividade de Braid, no livro de Bramwell, Hypnotism, Its History, Practice and Theory. James Braid é mais conhecido pelo fato de ter renomeado o Mesmerismo para “Hipnotismo”, em 1842, com base na palavra grega “Hypnos”, que significa “sono”, e por ter se oferecido a apresentar um documento a seu respeito numa reunião da British Medical Association, em Manchester, que recusou. Apesar disso, ao contrário de Mesmer, ele manteve uma boa reputação profissional em sua comunidade durante toda sua vida, e não apenas ficou conhecido como um excelente hipnotista, mas também como foi amplamente aclamado por suas cirurgias de pé plano (chato) e outras deformidades. No final de sua vida, Braid concluiu que o hipnotismo não era um verdadeiro sono, mas uma concentração da mente, e tentou mudar o nome para monoideísmo. Mas, na época, “Hipnose” e “Hipnotismo” já eram palavras bem enraizadas em todas as línguas da Europa, abandonando por fim este esforço de mudar o nome. Braid nasceu em Rylaw House, em Fifeshire, no ano de 1795, tendo estudado em Edinburgo e lá se formado como cirurgião. Depois de trabalhar na Escócia durante um curto período de tempo, ele mudou-se para Manchester, Inglaterra, onde viveu até sua súbita morte no dia 25 de março de 1860, vítima de ataque do coração. Ele cultivou a prática e o interesse no hipnotismo durante toda sua vida, escrevendo vários documentos e monografias sobre o assunto. Apesar de Braid ser mais conhecido por ter renomeado a arte de Mesmer para hipnotismo, ele também foi responsável por várias idéias que ainda persistem até o presente. Estas são como descritas a seguir:
1: Que a hipnose é uma ferramenta poderosa que deveria ser limitada somente aos profissionais da medicina e da odontologia.
2: Que apesar de ter o hipnotismo sido capaz de curar muitas doenças para as quais antes não havia remédio, não era, no entanto, uma panacéia, mas era apenas uma ferramenta médica que deveria ser usada em combinação com outras informações médicas, drogas, remédios, etc., para apropriadamente tratar os pacientes.
3: Que em mãos qualificadas não há grande perigo associado ao tratamento com a hipnose, nem sequer dor ou desconforto.
4: Que muitos estudos e pesquisas seriam necessários para compreendermos por completo vários conceitos teóricos a respeito da hipnose.
Estes enunciados filosóficos eram extremamente sólidos, especialmente para um médico que viveu no século XIX e que possuía conhecimentos limitados, disponíveis naquela época. O fato de que estes conceitos permaneceram virtualmente imutáveis até hoje demonstra, claramente, o brilhantismo deste grande médico e hipnotista de Manchester.
Seção 5. John Elliotson
Tal como Braid, Elliotson graduou-se em medicina em Edinburgo, mas continuou seus estudos no continente e em Cambridge e no Sir Guy’s Hospital, onde tive o prazer de palestrar em 1958. Ele nasceu em 1791 e morreu no dia 29 de julho de 1868, após uma longa doença, na casa de seu amigo, o Dr. Symes, um aluno formal. Assim como Braid, Elliotson foi um brilhante médico, palestrante e Professor de Medicina. A fama de Elliotson, entretanto, até mesmo excedeu a de seu predecessor, o Dr. Braid, pois Elliotson chegou ao topo da vida acadêmica de Professorado em Medicina na Universidade de Londres. Ele também foi nomeado Presidente da Royal Medical and Surgical Society, e foi um dos fundadores do University College Hospital, em Londres.
Ele introduziu o estetoscópio na Inglaterra, juntamente com os métodos de se examinar o coração e os pulmões da forma que são utilizados até hoje. Uma história completa de sua vida aparece também no livro de Bramwell.
Elliotson é mais conhecido pelo fato de ter estabelecido o primeiro periódico a tratar do hipnotismo, em 1846. Esta revista tinha o título de ‘The Zoist’, e cópias completas de seus números ainda podem ser obtidas através de algumas fontes. Ele foi expulso do University College Hospital por ter escolhido a hipnose como o assunto do discurso Harveiano de 1846. Neste discurso, Elliotson citou esta passagem memorável das obras de Harvey: “Os verdadeiros filósofos, compelidos pelo amor à verdade e à sabedoria, nunca se imaginam tão sábios e cheios de si a ponto de não se renderem à verdade, de qualquer fonte e a qualquer tempo; nem possuem eles mentes tão estreitas a ponto de acreditar que qualquer arte ou ciência nos foi transmitida por nossos predecessores em tal estado de perfeição a ponto de nada restar para futura dedicação”.
Elliotson aplicou então as palavras de Harvey à ciência do Hipnotismo e afirmou em termos nada duvidosos que era o dever dos médicos daquela época analisar cuidadosamente e com isenção sua pesquisa sobre o assunto. Muitos artigos interessantes foram publicados em seu periódico The Zoist, que foi publicado trimestralmente de abril de 1843 até 31 de dezembro de 1855. Durante treze anos, artigo após artigo foi publicado por Elliotson, Esdaile e muitos outros médicos brilhantes da época, testemunhando os excelentes resultados do tratamento com hipnose para insanidade, epilepsia, histeria, gagueira, nevralgia, asma, torcicolo, dores de cabeça, dificuldades funcionais do coração, reumatismo, tic doloroso, cólicas espasmódicas, ciática, lumbago, paralisia, convulsões, inflamações agudas dos olhos e dos testículos, e relatos de centenas de operações sem dor, desde a remoção de uma catarata até a amputação do pênis, a qual James Esdalie relatou dois casos. Parker (que originou a expressão “Parker Sem Dor”) relatou cerca de 200 operações sem dor na Exeter, uma instituição que Elliotson ajudou-o a fundar. Elliotson era excelente no campo da hipnose infantil, e trabalhou com muitas crianças e com muitas doenças infantís, tais como Dança de São Vito, coréia, tiques e outras enfermidades. Ao contrário de Braid, no entanto, Elliotson continuou a acreditar na clarividência e outros fenômenos místicos até sua morte.
Seção 6. James Esdaile
O Dr. James Esdaile provavelmente realizou mais operações cirúrgicas sob hipnoanestesia do que qualquer outro médico, pelo menos até a presente época. Ele era um homem de extrema perspicácia e inteligência que trabalhou a maior parte de sua vida na Índia, e provavelmente é mais conhecido por seu trabalho com a hipnose do que qualquer outro homem, com a possível exceção do próprio Mesmer. Ele nasceu no dia 6 de fevereiro de 1808, filho de um ministro, e como Elliotson e Braid, estudou em Edinburgo, onde graduou-se em 1830, obtendo um cargo na East India Company.
Esdaile realizou sua primeira operação sob hipnose no dia 4 de abril de 1845, em um hindu condenado à prisão que tinha dupla hidrocele, no hospital de Hooghly. Após realizar 75 operações sob hipnoanestesia, ele escreveu à junta médica, porém sua carta não foi nem sequer reconhecida. Mais tarde, no final daquele mesmo ano, tendo mais de cem operações em seu crédito, ele contatou Sir Herbert Maddock, o então vice-governador de Bengala, que nomeou um comitê de investigação composto primariamente de médicos.
Ao receber o relatório favorável deste comitê, o Governador então colocou Esdaile como responsável de um pequeno hospital experimental próximo a Calcutá, para que ele pudesse dar continuidade em sua pesquisa sobre a hipnose, sejam quais fossem os valores que esta pudesse ter. Esdaile iniciou sua pesquisa em novembro de 1846, com os seguintes médicos nomeados para auxiliá-lo: R. Thompson, D. Stuart, J. Jackson, F Mouatt, R. O’Shaughnessy. E, ao final do primeiro ano do trabalho experimental de Esdaile, ele já tinha mais 133 operações em seu crédito, bem como um grande número de casos médicos. Os relatos daqueles que visitaram a instituição continuaram a ser favoráveis, e, portanto, com o continuado apoio do vice-governador, Esdaile foi então indicado para trabalhar no Lane Hospital and Dispensary de Sarkea, para dar continuidade ao seu trabalho e expandi-lo para outros campos da medicina.
A fama de Esdaile espalhou-se para todos os cantos, e certa vez ele afirmou com sinceridade que havia feito mais operações em tumores escrotais em um mês do que todas as que aconteceram em todos os hospitais de Calcutá em um ano inteiro. Alguns médicos locais que achavam seus pacientes serem histéricos, criticaram-no nas revistas médicas. O comentário de Esdaile quanto a isto foi que o seu próprio relato dos casos ainda era digno de nota, nem que se fosse como um exemplo de uma epidemia da insanidade. Seu senso de humor o acompanhou até quando deixou a Índia, em 1851. Ao deixar aquele país, ele tinha milhares de operações sem dor em seu crédito, e cerca de 300 grandes operações, todas executadas com a hipnose. Enquanto estava na Índia, o clorofórmio foi introduzido como um anestésico e depois de ter deixado a Índia, um prêmio de dez mil dólares foi oferecido em 1853 ao descobridor das propriedades anestésicas do éter, que foi descrito como o primeiro dos anestésicos. Esdaile enviou uma carta revoltada de protesto contra isso, chamando a atenção ao fato de que ele havia realizado cirurgias sem dor com o Mesmerismo anos antes que qualquer pessoa tivesse ouvido falar do éter. (A propósito, o clorofórmio surgiu antes do éter.)
Desgostoso com a Índia, e “não dando a mínima” a respeito de uma grandiosa prática em Calcutá, Esdaile retornou a Perth, o lar de seu pai, onde estabeleceu-se e permaneceu até desenvolver uma doença nos pulmões (tuberculose?), mudando-se então da Escócia para a cidade de Sydenham, na Inglaterra, onde morreu com a idade de 50 anos, no dia 10 de janeiro de 1859. Suas obras foram numerosas, mas talvez a mais famosa seja um livro originalmente entitulado Mesmerism in India, e posteriormente publicado sob o título Hypnosis in Medicine and Surgery. Neste livro, ele não apenas relatou 73 operações sem dor, mas também descreveu 18 casos médicos de paralisia, lumbago, ciática, convulsões e tic doloroso, além de informar o público sobre a hipnose. Ele atacava a estupidez de certos médicos que eram cegos para quaisquer novas idéias, citando a frase em latim “Stare super vias Antiquas”, para descrever tais médicos. Ele chegou ao ponto de dizer que, como um amante da verdade por si só, ele ficava pouco satisfeito quando seus amigos lhe diziam: “Eu acredito porque você está dizendo”. Ele achava que esta era uma crença estéril e constantemente procurava médicos para demonstrar-lhes sua recém descoberta ferramenta médica. O médico Jacob Conn, da Universidade de Medicina Hopkins, afirmou que ninguém trabalhou mais diligentemente do que James Esdaile para trazer o valor da analgesia e da anestesia hipnótica à atenção dos profissionais da medicina. A obra de Esdaile evidentemente se pagou, pois a Associação Médica Britânica relatou favoravelmente em 1891 que “Como um agente terapêutico, o hipnotismo é com freqüência eficaz no alívio da dor, proporcionando sono e suavizando muitas indisposições funcionais”.
Seção 7. Dr. Ambroise-Auguste Liebeault
Liebeault é amplamente conhecido como o “Pai da Hipnose Moderna”. A razão para isto é, antes de tudo, ter sido Liebeault o homem que concluiu e publicou a observação de que todos os fenômenos do hipnotismo são subjetivos em origem. Liebeault foi um humilde médico francês que, apesar de ser desinteressado pela pesquisa de uma maneira geral, foi, no entanto, um gênio na terapêutica. Ele manteve a prática médica de forma constante no campo, que o manteve ocupado dia e noite até receber seu diploma em medicina em 1850. Sua prática no hipnotismo era quase totalmente gratuita, e por causa disto obteve o sereno respeito de todos que o conheciam. Ele nasceu em 1823, começou seus estudos em medicina em 1844, e iniciou seus experimentos com o hipnotismo em 1848, mesmo antes de ter concluído a universidade. Após ter completado várias sessões terapêuticas de hipnose, ele escreveu um livro que demorou dois anos para ser concluído. O ceticismo no entanto, era tão grande que ele vendeu apenas uma cópia, e foi para Bernheim. Em 1882, Liebeault curou um caso obstinado de ciática, que Bernheim havia tratado sem resultados por cerca de seis meses. Em parte por causa de sua curiosidade, e em parte porque queria expor Liebeault como um charlatão, Bernheim comprou o livro e viajou para se encontrar com ele, convencido de que de fato Liebeault era um charlatão. Entretanto, Bernheim ficou tão impressionado pelo seu trabalho a ponto de decidir ficar com ele e dele tornou-se um devotado aluno e amigo por toda a vida. Bernheim e Liebeault, então, publicaram juntos outro livro, que foi amplamente aclamado. Isto assim o foi especialmente por causa do grande número de fascinantes históricos dos casos de Liebeault.
Enquanto Parker e seus contemporâneos estavam primariamente interessados na cirurgia sem dor, Liebeault invadiu todos os campos da medicina, sendo de fato o médico mais importante na ampliação do escopo da terapêutica através do uso da hipnose. Uma descrição excelente da clínica de Liebeault aparece no livro de Bramwell.
Liebeault tornou-se um adepto da hipnose rápida e, de fato, foi um dos primeiros a perceber que para a maior parte dos casos de hipnoterapia, um transe profundo era desnecessário, fato assinalado com freqüência pelo Dr. S. J. Van Pelt. Ao contrário, Liebeault induzia seus pacientes com não mais do que um aceno de sua mão e uma frase rápida, tal como “Durma, meu gatinho”; sugeria que os sintomas mórbidos se fossem e permitia que os pacientes acordassem quando desejassem. Ele atendia centenas de pacientes, raramente demorando-se mais do que quinze minutos com eles. Bramwell afirma que todos os pacientes de Liebeault melhoravam ou se curavam, após seus tratamentos de sugestão rápida. Liebeault, com a assistência de Bernheim, estabeleceu o que ficou conhecida como a “Escola de Nancy”. Este foi um período de desenvolvimento da hipnose durante o qual uma grande quantidade de trabalhos experimentais foram feitos com muitos tipos de indução.
Ao mesmo tempo que Liebeault estava meramente usando a palavra “durma”, com um gesto de sua mão, Charcot, por outro lado, estava violentamente tocando gongos e piscando ‘luzes de drummond’. Os alemães Weinhold e Heidenhain preferiam o tique-taque de um relógio, e Berger usava chapas quentes de metal. As idéias do magnetismo e dos processos magnéticos ainda não haviam desaparecido por completo. Apesar de Liebeault explicar os fenômenos como sendo subjetivos, Piteres sustentava que certas partes do corpo eram particularmente sensíveis ao estímulo da pele, e estas assim chamadas zonas hipnóticas que foram descritas por ele, existiam, algumas vezes, em apenas um lado do corpo e, em outras, em ambas.
Moll afirmou ter ele mesmo visto muitas pessoas serem hipnotizadas apenas quando suas testas eram tocadas. Purkinje e Spitt afirmaram que toques na testa induziam um estado sonolento em muitas pessoas. A técnica de balançar o berço para induzir crianças era bem conhecida, e Eisenhart mencionou que o toque na testa era uma excelente técnica de indução em crianças. Hirt usava com freqüência a eletricidade para induzir a hipnose, e Sperling, um contemporâneo de Bramwell e de Moll, descreveu os transes hipnóticos dos Dervixes que havia visto em Constantinopla (atual Istambul). Drzewiecki sentiu que havia uma diferença na suscetibilidade à hipnose por causa da nacionalidade, e chegou a afirmar que os russos eram mais facilmente hipnotizáveis do que qualquer outro povo. Entretanto, percebeu-se mais tarde que nem nacionalidade e nem sexo contavam na habilidade de uma pessoa ser hipnotizada. Foi somente depois de Liebeault atingir uma idade avançada e ter-se aposentado da medicina, que ele desfrutou um pouco da aprovação que certamente lhe era devida. Ele não buscou e nem fez fortuna. Até sua morte, permaneceu feliz e tranqüilo, cônscio de uma vida bem vivida no tratamento dos pobres.
O Dr. Bernheim, da Escola Nancy, é talvez mais conhecido pela propaganda do uso da hipnose. Apesar de ter Liebeault sido responsável pela ampliação da terapêutica, seu livro nunca foi amplamente lido. No entanto, quando Bernheim publicou seu livro sobre hipnose (com os históricos dos casos de Liebeault), este foi imediatamente aceito em todos os lugares. De fato, não obstante a tremenda reputação de Charcot e de seu pioneirismo com a Escola de Salpêtrière, mais e mais pessoas adotaram o modo de pensar da Escola Nancy. A disputa médica continuou através de todo o século XIX e até o início do século XX, com cada lado reivindicando vitórias na explicação da hipnose. Bernheim simplesmente pedia ao paciente para olhar para ele, não pensar em nada além de sono, e então dizia-lhe: “Suas pálpebras começarão a ficar pesadas, seus olhos estão cansados e começam a piscar, eles estão ficando úmidos, seus olhos não podem ver distintamente, e eles estão fechados.” Se o paciente não fechasse seus olhos e caísse no sono quase imediatamente, como acontecia com muitos, ele então repetiria o processo até ser bem sucedido. Caso os pacientes não mostrassem quaisquer sinais de sono ou entorpecimento, ele então lhes asseguraria que o sono não era essencial e que a influência hipnótica poderia ser exercida sem ele. Bernheim inspirou centenas de médicos-hipnotistas famosos, tais como Von Schrenk, Noltzing, Babinski e muitos outros. Charles Richet foi reconhecido como o introdutor do método de indução com o pressionar dos polegares e das mãos juntas.
Seção 8. Jean Martin Charcot
Jean Martin Charcot, o famoso neurologista francês, nasceu em 1825 e morreu em 1893. Era muito bem conhecido pelos profissionais de medicina por tantas e variadas realizações, e sua biografia é tão fácil de ser obtida que nenhum estudo detalhado a seu respeito será dado aqui. Ele provavelmente foi o médico mais famoso a adotar o hipnotismo naquela época e, além de seu trabalho com o hipnotismo, era conhecido pelo banho de Charcot, pela doença de Charcot, pela junta de Charcot, pela síndrome de Charcot, etc., bem como pelo tipo de dente Charcot-Marie, e seu trabalho com a atrofia muscular neuropática progressiva, de conhecimento de todos os estudantes de medicina.
A Síndrome de Charcot-Weiss-Barber (síndrome do seio da carótida) e o sinal Charcot-Vigouroux também são bastante conhecidos. Vários cristais foram nomeados em homenagem a Charcot, incluindo os cristais Charcot-Leyden, os cristais Charcot-Neuman e os cristais Charcot-Robin. Apesar de sua grande fama no campo da medicina, ele mergulhou no hipnotismo sem a costumeira pesquisa cuidadosa que cercava seus outros trabalhos. Conseqüentemente, sua reputação enfraqueceu quando suas teorias de que a hipnose era um estado patológico que enfraquecia a mente foram mais tarde desaprovadas pela Escola Nancy de Medicina. De fato, quando Charcot morreu, Babinski denunciou muitas das curas de Charcot, afirmando que algumas foram na realidade falsificadas, e outras invenções da imaginação de Charcot. O amargo ataque de Babinski contra Charcot, mais do que qualquer outra coisa, foi responsável pelo declínio do uso da hipnose na França. Este declínio continuou até tempos modernos, com apenas algumas exceções, tal como Pierre Janet e o Dr. Joseph Morlaas, que usaram a hipnose até que esta fosse oficialmente introduzida nas escolas francesas de medicina, em 1958.
Seção 9. Josef Breuer
Até a época de Breuer, a hipnose havia primariamente sido usada para o alívio da dor em cirurgias, e esta de acordo com o método de Liebeault, que simplesmente sugeria que os sintomas se fossem. Entretanto, por volta de 1880, Breuer fez uma descoberta acidental que mudou os métodos da hipnoterapia. Na verdade esta descoberta não apenas mudou os métodos da hipnoterapia, mas na realidade introduziu uma arte completamente nova em si, pois foi a obra de Breuer que atraiu Freud e o direcionou aos métodos da psicanálise que são tão comuns hoje em dia aos psiquiatras.
Breuer estava tratando uma paciente a qual chamou de Anna O.. O caso é longo e complexo, sendo bem conhecido de todos os estudantes de psiquiatria. Durante uma parte da terapia, eles descobriram, para grande agonia da paciente, (e Anna O. era uma paciente histérica com muitos problemas e muito diferenciados) que ela não conseguia beber água. Na verdade, não importava a intensidade da sede que ela sentia, ela sentia que era uma impossibilidade física engolir água. Devido a isso, ela sobreviveu por alguns meses comendo frutas aquosas e melões, até que, durante uma sessão de hipnose, ela revelou num ataque de raiva, como, para sua grande aversão, uma ex-governanta havia deixado um cão beber água que estava num copo, em sua presença. Tão logo acordou do transe, ela imediatamente pediu água a Breuer, esvaziando o copo com facilidade. Isto fez com que Breuer concluísse que a simples recordação das experiências traumáticas do passado (do cão bebendo água num copo) foi responsável pela remoção dos sintomas. Depois de chegar a esta conclusão, Breuer tentou então associar todos os sintomas dos pacientes com experiências traumáticas no passado. Depois de trabalhar com Anna O. por quase um ano, Breuer foi capaz de remover seus sintomas de cegueira, paralisia, surdez, a contratura de seu braço direito, sua falta de sensibilidade, tosse, tremores e outros sintomas, apenas através da repetição dos transes que revelaram mais e mais suas experiências do passado, que continham incidentes traumáticos danosos.
Tal como Wolberg afirma em seu livro Medical Hypnosis, “A importância da obra de Breuer jaz na mudança de ênfase na terapia com hipnose, da remoção direta dos sintomas para o enfoque na causa aparente desses sintomas”.
Apesar de Janet ter chegado a esta mesma conclusão simultaneamente, o crédito por esta descoberta foi dado a Breuer.
Seção 10. Dr. Eugene Azam
Azam, um professor da Faculdade de Medicina em Bordeaux, e correspondente na Academia de Medicina em Paris, escreveu em 1887 um livro sobre um caso de consciência dividida. Ele descreveu em detalhes o caso de uma jovem, chamada Felita X., que o procurou pela primeira vez durante o mês de junho de 1858. Ele percebeu muitos fenômenos hipnóticos nesta paciente, fazendo algumas deduções psicológicas que confirmaram muitas das conclusões de Braid. O Professor Jean Martin Charcot (supra) escreveu o prefácio do livro, elogiando muito a obra do Dr. Azam. Traduzido do francês, dizia o texto:
“Na época de hoje, em que o Hipnotismo chegou e é agora a aplicação regular deste método de descrição de doenças, que finalmente tomou seu lugar entre os fatos da ciência positiva, seria injusto esquecer os nomes daqueles que tiveram a coragem de estudar esta questão numa época em que estava sob a desaprovação universal. O Dr. Azam foi um dos pioneiros, sendo o primeiro na França. Ele buscou controlar, através de sua experiência pessoal, os resultados anunciados por Braid. A boa sorte de uma descoberta inesperada, é verdade, foi-lhe favorável ao dispor-lhe a experiência de uma paciente, que espontaneamente apresentou vários fenômenos que haviam sido descritos por Braid. Mas, quantos médicos que estivessem no lugar do Dr. Azam teriam passado por estes fatos interessantes sem se deterem, quer por medo de serem confundidos por uma histeria jugular, ou por medo de comprometerem suas reputações ao realizar estudos que haviam sido desacreditados, ou simplesmente por seguir a preguiça científica que nos desprovê do benefício de novas coisas no desenvolvimento moderno? Os resultados do Dr. Azam não são apenas de interesse históricos: esta análise redescobriu a parte mais importante dos fenômenos somáticos e da anestesia psíquica, hiper-anestesia, contratura e catalepsia, que aprendemos, desde que neste ano foram apresentados, de acordo com uma determinação rigorosa, uma categoria especial de indivíduos (pacientes). Seria interessante observar, a bem da verdade, que pela escolha dos indivíduos e pela natureza dos fenômenos produzidos, os casos clínicos do Dr. Azam pertencem à hipnose histérica. É dito que esta forma de hipnose primeiro tomou seu lugar na ciência e somente agora chegou até nós. Ela manifesta sintomas tão característicos a ponto da pessoa mais cética não poder duvidar de sua existência. Portanto, devemos convidar nossos eminentes colegas a tomar parte no sucesso da obra ao qual ele contribuiu, após termos registrado a pesquisa do Dr. Azam com aqueles da escola de Salpêtrière.”
Azam enfrentou grandes dificuldades para remover a aura de mistério da hipnose, e foi elogiado por Charcot por isso. O Dr. Heinz Hammerschlag afirma em seu livro Hypnose und Verbrechen que os estudos de Azam em Bordeaux, apesar de importantes, foram importantes primariamente porque estes estudos atraíram a atenção de Liebeault, que foi o primeiro a ser bem sucedido em dar a estes pesquisadores uma novo ponto de vista. Ele esforçou-se para atribuir os fenômenos da hipnose à influência psiquiátrica da sugestão, em vez da influência do magnetismo, que havia antes sido tão popular na época de Mesmer. Como Charcot pôde continuar a manter a afirmação ridícula de que todos os assuntos hipnóticos eram “histéricos”, face a face com a pesquisa de Braid, e do lado oposto de sua boca elogiar o Dr. Azam por esclarecer e reiterar as conclusões de Braid, é algo completamente incompreensível.
Seção 11. Sigmund Freud
Até mesmo começar a tentar resumir a vida e a obra de um gênio é naturalmente impossível. Da mesma maneira, escolher incidentes específicos em sua vida e, ao descrevê-los, esperar que se compreenda o raciocínio intricado da mente de Freud, seria tão ridículo quanto descrever George Washington como “o garoto que cortou uma cerejeira”. Várias centenas de livros foram escritos sobre Sigmund Freud, possivelmente o mais completo deles sendo The Life and Work of Sigmund Freud, de Ernest Jones (1879 – 1958), em três volumes. Para uma compreensão completa de Freud, esta obra em três volumes supera todas as outras, mas estando tal tarefa além do escopo deste texto, devemos nos satisfazer com um pequeno resumo da ligação de Freud com o desenvolvimento da hipnose.
Foi a obra de Breuer que atraiu Freud e que o fez publicar seu famoso livro co-autorado por Breuer, Studien uber Hysterie, que foi publicado em 1895. Breuer e Freud concluíram corretamente que os sintomas histéricos são desenvolvidos como resultado de experiências repressivas danosas, e que se estas experiências danosas fossem novamente liberadas da mente subconsciente por uma catarse mental, os sintomas histéricos seriam eliminados. Breuer conseguiu isso através do uso da hipnose, mas Freud, um hipnotista pobre, achou que a livre associação conjugada com a psicanálise eram veículos através dos quais poderia realizar seu trabalho de forma melhor. Parlour observou que, apesar de que Freud menosprezou a “hipnose” formal, ele no entanto usou constantemente muitas técnicas de hipnose, tais como “tocar a testa do paciente”, “a concentração da mente do paciente”, “o relaxamento do corpo sobre um sofá” e “o farto uso da imaginação”. Este fato foi muito negligenciado durante o tempo em que Freud viveu, atenção sendo dada às palavras de Freud que nem sempre explicavam as ações do mesmo.
Foi durante este período que uma das idéias mais errôneas a respeito da hipnose ganhou terreno, e que ainda hoje, infelizmente, é difícil desalojar das mentes de muitos médicos e de milhares de leigos. Devido à condenação da hipnose feita por Freud em favor da psicanálise, as pessoas começaram a associar a hipnose com “sugestões diretas” (este sendo apenas um dos aspectos do hipnotismo). Por conseguinte, o público em geral e os leigos também começaram a pensar em termos de psicanálise versus sugestão direta. O que não foi suficientemente explicado foi que a ciência e arte do hipnotismo contém tanto análise quanto sugestão, e quando corretamente aplicada não apenas fraciona o problema em seus componentes para análise, mas recompõe o indivíduo novamente com uma Síntese. A psicanálise convencional, entretanto, com sua falta de orientação diretiva, elimina inteiramente a última parte mencionada acima e torna a primeira delas lenta, incômoda e muitas vezes ineficaz. Todavia, devido ao grande brilho e popularidade de Freud, as palavras “associações livres” e “psicanálise” tornaram-se as senhas da época, e a hipnose novamente mergulhou na obscuridade.
Alguns especialistas, tal como Pierre Janet da França, Bramwell e Moll da Grã-Bretanha, Morton Prince e McDougall dos Estados Unidos, e Pavlov na Rússia, continuaram a fazer uso do hipnotismo. A maioria dos neurologistas (naquela época, a maior parte das doenças mentais era investigada do ponto de vista da “neurologia”) foi imediatamente influenciada pela teoria e métodos de Freud.
Freud era um homem fascinante. Ele nasceu no dia 6 de maio de 1856, na cidade morávia de Freiberg, uma pequena e antiga cidade industrial que então pertencia ao Império Austro-Húngaro. Sua mãe, Amália, por quem teve um forte apego edipiano, era vinte anos mais nova que seu pai Jacob. A família mudou-se para Viena, onde viveu sua vida. Seu pai morreu em outubro de 1896, quando Freud tinha quatro anos, afetando-o profundamente, o que expressou numa carta que escreveu ao seu amigo, o Dr. Fliess.
A família de Freud era judia, mas Freud ignorava as comemorações dos judeus, e em vez disso celebrava o Natal e o Ano Novo porque “era mais fácil”. Este tipo de comportamento parece muito incomum para um não conformista, mas como afirmamos acima, Freud era na realidade um paradoxo, dizendo algumas coisas e praticando outras. Ele constantemente afirmava, por exemplo, que era um cientista de primeira linha, que buscava sempre a verdade e somente a verdade. Até sua morte, ele continuou a acreditar na teoria de Lamarch de que características pessoais adquiridas poderiam ser herdadas, algo que nenhum verdadeiro cientista da época acreditava mais, da mesma forma que não acreditava que o mundo era plano. Freud também interessou-se pelo ocultismo e pela telepatia, e abertamente afirmava sua crença neles, apesar de nunca ter publicado obras deste teor. Freud acreditava sobremaneira na magia dos números, e seu amigo íntimo William Fliess, mencionado acima, afirmou que Freud acreditava que coisas importantes aconteciam aos seres humanos em ciclos de 23 a 28 dias. Ele previu sua própria morte na idade de 61 ou 62 anos, e ficou um tanto quanto desapontado depois de ter passado por essa idade, elevando assim sua predição para 85 anos e meio, a idade em que seu pai e seu meio irmão morreram. O filho mais velho de Freud, Jean Martin Freud, cujo nome lhe foi dado em homenagem a Charcot, o qual Sigmund admirava tanto, publicou um livro relativamente novo sobre a vida doméstica de Freud como pai e como homem. Freud conheceu sua esposa em abril de 1882, e apaixonou-se à primeira vista, apesar de não ter se casado antes de ter prestado um mês de serviço em manobras do Exército Austríaco em 1886, quando foi promovido de Primeiro Tenente a Capitão.
Freud trabalhava como especialista em doenças nervosas, e era um professor iniciante na Universidade de Viena quando Jean Martin nasceu. Ele vivia em Suenhaus, frente a Ringstrasze, mas escreveu muitos de seus melhores livros em cenários naturalistas. A Interpretação dos Sonhos, provavelmente um dos livros mais famosos de Freud, foi escrito numa vila em Berchtesgaden, uma linda estância situada no alto das montanhas da Bavária, que mais tarde se tornaria famosa como o bem guardado refúgio de Adolph Hitler.
Freud estava sempre imaculada e cuidadosamente vestido, mesmo durante os últimos dezessete anos de sua vida, nos quais dolorosamente submeteu-se a uma operação após a outra por causa dos cânceres incuráveis que tanto o incomodaram. Ele manteve seu senso de humor mesmo após a maior parte da estrutura de sua boca, pálato e maxilar ter sido removida, e de ter sido forçado a usar uma prótese monstruosa para poder fechar a abertura entre a cavidade nasal e a garganta para poder falar. Fraco e incapaz de falar, exceto em seu alemão nativo (apesar de que antes falasse bem o francês e o inglês), disse certa vez à cantora francesa Yvette Guilbert: “Meine Prosthese Spricht Keine Franzosisch” (Minha prótese não fala francês).
Freud submeteu-se a um total de 33 operações, incluindo uma operação de esterilização, a qual esperava que de alguma maneira mudaria a configuração hormonal de seu corpo, evitando que o câncer se espalhasse. Ele fugiu para a Inglaterra em 1938 para escapar de Hitler, e aos 82 anos de idade, em Londres, recuperou-se o suficiente para fazer quatro tratamentos de análise por dia. Freud odiava as drogas e tomava apenas aspirina ocasionalmente. Em fevereiro de 1939 seu câncer finalmente o encurralou, sendo considerado inoperável e completamente incurável na época, e, no dia 21 de setembro daquele ano, pediu ao seu médico, o Dr. Max Schur, que lhe desse um sedativo. “É somente tortura agora, e não faz mais qualquer sentido”, disse Freud, e dias depois, com 83 anos de idade, ele morreu. Sua filha Anna permaneceu ao seu lado durante sua longa enfermidade, mantendo-o confortado. “O mais importante,” disse o biógrafo Jones (que talvez foi o psicanalista de língua inglesa número um em sua época), “é a crescente consciência que as pessoas têm de serem movidas por forças obscuras dentro de si mesmas, as quais não conseguem definir. Poucos pensadores hoje em dia poderiam afirmar possuir um conhecimento completo de si mesmos, ou de que o que estão conscientemente cientes engloba o total de sua mentalidade, e este reconhecimento, com todas suas conseqüências formidáveis para o futuro das organizações sociais, nós devemos acima de tudo a Freud. O principal inimigo e perigo do homem é sua própria natureza incontrolável e as forças negras enclausuradas em seu interior. Se nossa raça tiver sorte de sobreviver por outros mil anos, o nome de Sigmund Freud será lembrado como aquele do homem que foi o primeiro a averiguar a origem e a natureza destas forças e que apontou a maneira de obter algum controle sobre elas”.
Seção 12. Milne Bramwell
O nome de Bramwell é mais lembrado pelo seu clássico texto Hypnotism, It’s History, Practice and Theory, que até hoje permanece como um dos mais refinados livros escritos sobre o hipnotismo. Em seu livro, ele afirma que sua primeira introdução ao assunto foi indiretamente devida ao Dr. James Esdaile, pois Esdaile deixou a Índia e viveu durante algum tempo em Perth, cidade natal de Bramwell. Muitos dos experimentos de Esdaile foram mais tarde reproduzidos pelo pai de Bramwell, que também era médico. Quando menino, Bramwell testemunhou muitos destes experimentos, os quais o impressionaram muito. Ele era um ávido leitor e estudante em Edinburgo, quando o Professor John Hughes Bennett novamente chamou sua atenção para o hipnotismo.
Depois de deixar Edinburgo, Bramwell ocupou-se com a prática médica em geral, e a hipnose ficou quase esquecida até ficar sabendo que esta havia sido restaurada nos departamentos da Salpêtrière. No dia 28 de março de 1890, ele fez uma demonstração da anestesia hipnótica a uma grande audiência em Leeds. Esta foi relatada no British Medical Journal e no Lancet, e recomendações de pacientes tornaram-se tão numerosas que ele abandonou a prática geral e limitou-se à prática do hipnotismo. Bramwell foi de certa forma capaz de evitar a maior parte da grande oposição e deturpação que haviam sido perpetradas contra médicos que anteriormente se associaram com esta ciência. Bramwell provavelmente ficou mais famoso por sua obra sobre a hipnose clínica na medicina e na cirurgia. Entretanto, ele também escreveu sobre teorias da hipnose, hipnose em animais, o gerenciamento de experimentos com hipnose, fenômenos experimentais da hipnose, e até mesmo sobre assuntos ocultos, tais como o espiritualismo, a clarividência e a telepatia.
Moll, um contemporâneo inglês, é igualmente famoso por seu livro sobre a hipnose. O livro de Moll, registrado alguns anos antes do de Bramwell, tinha uma estrutura um pouco diferente e é digno de nota por sua dissertação sobre os aspectos legais da hipnose, assunto em que Bramwell não tocou, mas que de forma liberal é citado por mim em um livro anterior, Legal Aspects of Hypnosis, o primeiro volume completo sobre o assunto já escrito. Moll demonstrou como as sugestões cotidianas diferem da hipnose, e também deu a primeira referência à hipnose desperta. Ele antecipou os estudos de Erickson sobre o estado pós-hipnótico, e também investigou a relação entre o hipnotista e o paciente. Seu livro foi por muito tempo considerado uma das melhores introduções possíveis ao estudo da hipnose, sendo uma das primeiras peças da literatura que objetivamente separou a hipnose dos elementos místicos que a cercam.
Seção 13. Outros Médicos da Época
O primeiro uso documentado da hipnose utilizada como anestésico ocorreu no dia 12 de abril de 1829, quando Jules Cleznet, um cirurgião francês, realizou uma operação de mama. Os primeiros usos documentados da hipnose na América aconteceram em 1843, um ano depois de Braid ter cunhado o termo, em Nova York, Ohio, Illinois e Missouri, por Doane, Dugas e outros. A contribuição de Crile para a literatura da hipnose foi o fato de ter reconhecido que mesmo apesar de um paciente estar “inconsciente” durante a anestesia por inalação, a maior parte de seu cérebro ainda permanece acordada, e que os impulsos nervosos ainda podiam alcançar o cérebro, produzindo depressão cerebral e outras manifestações indesejáveis. Dupuytren, o famoso cirurgião francês que é mais conhecido por sua obra sobre as contraturas, afirmou que a “dor mata como a hemorragia”, e de fato muitos pacientes daquela época preferiam a morte em vez da dor extrema. William Kroger, um obstetra hipnotista bem conhecido, relatou o declínio do uso da hipnoanestesia depois do desenvolvimento dos anestésicos químicos.
PARTE C: HISTÓRIA RECENTE
Seção 1. Cientistas Contemporâneos na Área
Uma nova era da hipnose teve início com a Primeira Guerra Mundial. O renascimento foi primariamente devido a uma multiplicidade de casos de paralisia e amnésia de origem psicogênica, e o fato de que poucos psiquiatras estavam disponíveis. Da Grã Bretanha veio Hadfield, que originou o termo Hipnoanálise, significando o uso da regressão de idade para descobrir as experiências danosas e então revivê-las sob hipnose para produzir catarse mental. O advento da hipnose em nossa época fez surgir muitos novos especialistas, incluindo muitos hipnotistas de palco. Lewis R. Wolberg, um professor clínico assistente de psiquiatria do New York Medical College, escreveu talvez o mais extenso tratado sobre a hipnose médica em dois volumes, publicado nos Estados Unidos. Em 1955, a British Medical Association oficialmente sancionou o ensino da hipnose em todas as escolas de medicina, dando início à organização de grupos e sociedades de ensino. William J. Bryan Jr., que tornou-se seu primeiro presidente, fundou o Instituto Americano de Hipnose no dia 4 de maio de 1955. Foi fundado pela razão de que até aquela época não havia nenhum corpo educacional devotado exclusivamente a promover todas as fases da hipnose na medicina e na odontologia, e o Instituto foi fundado para preencher esta lacuna. Desde então este cresceu até se tornar a instituição educacional mais respeitada do mundo devotada exclusivamente ao ensino da hipnose na medicina e na odontologia aos médicos e dentistas de todo o mundo. Outros Presidentes da organização incluem os peritos daquela época, incluindo Butters, Moss, Sloan, Bryan, Hedge, Boswell e McCall.
Indubitavelmente, o mais famoso hipnotista dental contemporâneo é o Dr. H. Joshua Sloan, ex-presidente e membro do Instituto Americano de Hipnose. Ele foi responsável pelo estabelecimento do primeiro curso universitário de hipnose, lecionando nele durante muitos anos. Autor de Introductory Information for Dentists in Hypnosis, e de Goals in Dentistry, ocupou vários cargos, incluindo o de Presidente da Academy of Applied Psychology in Dentistry e de Presidente do Instituto Americano de Hipnose. Mais conhecido por sua pesquisa sobre o refinamento de várias técnicas de indução e de aprofundamento, e por sua extensa obra no campo da Semântica Geral, ele atende na Madison Avenue, em Nova York.
Aaron A. Moss, o terceiro presidente do Instituto Americano de Hipnose, é mais conhecido por sua clássica obra Hypnosis in Dentistry, o livro mais completo sobre o assunto publicado até hoje [janeiro de 1963]. Ele foi responsável pela primeira filmagem do uso da Hipnose na Odontologia.
O Dr. Garland Fross, de South Bend, Indiana, o Dr. Tom Wall, de Seattle, Washington, o Dr. Jack Bart, de Riverside e Beverly Hills, Califórnia, e o Dr. Martin Cousins, de Los Angeles, Califórnia, se distinguiram no campo da Hipnodontia. Todos estes homens participaram de vários cursos ministrados pelo Instituto na capacidade de membros da Faculdade, e todos são Membros da Sociedade.
O Dr. Fross, uma lenda em sua própria comunidade e Comandante no Departamento de Odontologia da Marinha, muito realizou para ensinar aos Dentistas Oficiais da Marinha e a milhares de dentistas civis, a respeito da ética e do lugar correto da Hipnose na Odontologia. Ele escreveu vários artigos e documentos científicos sobre o assunto e, com a aprovação da sociedade de odontologia de sua cidade, levou ao ar através do rádio, em certa ocasião, informações ao público sobre o assunto, num programa de rádio público da sociedade de odontologia. Já o Dr. Wall por várias vezes deu palestras sobre a Hipnodontia em várias Universidades e em vários encontros de médicos e de dentistas, além de ter escrito um panfleto explicando a Hipnose na Odontologia aos pacientes.
O Dr. Jack Bart realizou palestras em lugares tão distantes quanto Paris, na França, e em Honolulu, no Havaí, sobre o assunto da Hipnose na Odontologia, e a tem praticado durante toda a sua carreira de dentista. O Dr. Cousins não somente é membro da Faculdade do Instituto Americano de Hipnose, mas regularmente ministra aulas sobre Hipnodontia na Beverly Hills Hypnodontic Society, e tem ensinado a médicos e dentistas as técnicas apropriadas da hipnoanestesia. Ele é uma autoridade de renome mundial neste assunto, especialmente no que tange à Odontologia.
Seção 2. Dr. Sydney Van Pelt
Uma história da hipnose não estaria completa sem mencionar o primeiro especialista no campo da hipnose médica de nossa época. O Dr. Sydney J. Van Pelt, um médico australiano que estabeleceu sua prática em Londres, Inglaterra, há cerca de quinze anos, foi o primeiro médico hipnotista do mundo moderno a trabalhar em tempo integral. Limitando sua prática ao uso da hipnose na medicina, o Dr. Van Pelt construiu uma invejável reputação numa época em que o resto do mundo estava muito desconfiada da nova modalidade. Ele tornou-se o primeiro presidente vitalício da British Society of Medical Hypnotism, e o Editor do British Journal of Medical Hypnotism, a mais antiga e mais respeitada revista no assunto ainda em publicação. O British Journal of Medical Hypnotismsob sua direção desde o início, viveu mais longamente do que o Zoist de Elliotson, e é hoje o líder inquestionável neste campo em todo o mundo. Através do British Journal e da revista da American Institute of Hypnosis, para a qual escreveu vários artigos, o melhor da literatura científica sobre o assunto do hipnotismo é disseminado para os médicos de língua inglesa de todo o mundo. O Dr. Van Pelt participou como palestrante do primeiro curso internacional de hipnotismo médico, que aconteceu em novembro de 1959, a bordo do navio M. S. Kungshohm, num cruzeiro ao Caribe, e, com a minha exceção, é talvez hoje o único médico especialista em hipnose em tempo integral ainda vivo. Ele escreveu mais livros sobre a hipnose do que quaiquer outros quatro autores combinados (se eu não for utilizado na combinação), e possui tantos artigos publicados sobre o assunto que são muito numerosos para contar. Se existe um homem de nossa época que se elevará à grandeza através da hipnose médica, este certamente é o Dr. S. J. Van Pelt, a primeira autoridade no assunto em todo o mundo.
Seção 3. O Hipnotismo na França
A formação do Instituto Americano de Hipnose e a ação simultânea da Associação Médica Britânica em aprovar a Hipnose em 1955, fez com que o Conselho de Saúde Mental da Associação Médica Americana conduzisse um estudo exaustivo de três anos, culminando num endosso oficial da hipnose pela Associação Médica Americana em sua reunião de junho de 1958. Este fato foi relatado em detalhes no Journal of American Medical Association, e um texto do endosso unânime, pela Casa de Delegados da Associação Médica Americana pode ser encontrado no A. M. A. Journal Vol. 168, No 2, September 13, 1958. A Casa de Delegados sem nenhum voto contrário aceitou o relatório do Conselho de Saúde Mental aprovando a Hipnose.
Logo após este acontecimento, o governo francês interessou-se novamente pelo Hipnotismo. Devido à condenação feita por Babinski dos métodos e dos tratamentos de Charcot, apesar de obviamente falsa, o hipnotismo gozou de uma reputação extremamente ruim na França, e por conseqüência ninguém era sequer permitido a tocar no assunto da hipnose em qualquer reunião médica em Universidades, pois a Academia Médica Francesa oficialmente proibiu a discussão do tema em 1840, e o assunto permaneceu como um tabu até 1958, época em que a Universidade de Medicina de Sorbonne, de Paris, convidou-se para reintroduzir o assunto na França em uma palestra para cerca de 200 médicos franceses famosos, no Hospital Psiquiátrico St. Anne, em Paris. A palestra foi realizada no auditório do Hospital Psiquiátrico, e a recepção foi tão entusiasmada que fiquei durante uma hora e meia a mais do previsto respondendo perguntas e realizando demonstrações, incluindo a demonstração de hipnose realizada através de um intérprete, que foi a primeira exibição médica do tipo conhecida no mundo. Por causa desse grande sucesso, o vice-prefeito de Paris recebeu-me em seu gabinete com o tradicional brinde de champanhe, na ausência do Prefeito que estava em Nova York numa missão. O sucesso dessa iniciativa levou ao convite de retornar e conduzir um curso completo de uma semana sobre hipnose, na primavera de 1960. The British Journal of Medical Hypnotism Vol 10, No. 4 descreveu este importante evento de ensino da hipnose médica assim:
UMA ARTE ANTIGA RETORNA À FRANÇA
Reportagem sobre uma palestra ministrada pelo Dr. William J. Bryan Jr., (USA)
O fato de a Associação Médica Britânica ter dado uma aprovação não qualificada da hipnose três anos atrás, levou a Associação Médica Americana a imediatamente instruir seu Conselho de Saúde Mental a investigar o valor da hipnose na medicina. Esta investigação, que durou três anos, levou ao endosso unânime da hipnose pelo Conselho de Saúde Mental da Associação Médica Americana em junho passado. Apesar do grande interesse mundial na hipnose, relativamente pouco tem sido dito ou feito na França sobre a hipnose nos últimos anos. O Dr. Pierre Pichot, professor de psiquiatria na faculdade de medicina da Universidade de Paris, e Chefe do corpo clínico do Hospital Psiquiátrico St. Anne daquela cidade, deu algumas possíveis razões para isto. “Houve uma época”, disse, “durante os dias de Mesmer e Charcot, em que a hipnose gozava de muitos seguidores na França. De fato, a França foi realmente o berço do hipnotismo, pode-se dizer. Entretanto, depois que Babinski, aluno de Charcot, ter amargamente denunciado o trabalho de Charcot depois de sua morte, a hipnose ficou com uma má reputação na França, e dessa maneira permaneceu até hoje”.
Foi provavelmente por causa do desejo dos Profissionais de Medicina da França de novamente renovar seu interesse pela hipnose que os levaram a convidar o Dr. William J. Bryan Jr., dos Estados Unidos da América, a falar sobre o assunto. Ele provavelmente é o primeiro médico, em muitos anos, a ser permitido falar sobre o assunto da hipnose num encontro de nível profissional em uma universidade. No entanto, a Faculdade de Medicina da Universidade de Paris o acolheu com grande cortesia e honra. Eles lhe pediram que falasse a um grupo de profissionais no dia 11 de setembro de 1958, no Hospital Psiquiátrico de Ste. Anne, Rue Cannibis, em Paris. Enquanto na França, ele certamente recebeu um tratamento real. Foi recepcionado pelo governo francês, pelos profissionais franceses e pelo próprio povo francês. “Naturalmente seria impossível agradecer todas essas pessoas maravilhosas aqui”, afirmou, “mas atenção especial com certeza deveria ser dada ao Monsieur Pierre Taintiger, o vice-prefeito de Paris, que pessoalmente deu-me as boas vindas a Paris com o tradicional brinde de champanhe parisiense em seu gabinete particular. Devo também fazer menção especial ao Dr. Pierre Deniker e ao Dr. Pierre Pichot, que foram tão gentis comigo durante minha estadia em Paris. Miss Ellen Terry, uma fabulosa senhorita francesa que foi diretora do exército feminino da França, e que agora é Chefe dos Serviços de Informação da Embaixada Americana, recebe o meu apreço especial por prover seu valioso tempo ajudando-me a traduzir meu discurso do inglês para o francês (francês que os franceses pudessem compreender).”
O discurso aconteceu no dia 11 de setembro de 1958, no auditório do Hospital Psiquiátrico de Sainte Anne, usando o novo sistema público de conferência deles pela primeira vez, para uma audiência de cerca de 200 médicos de todas as partes do país, além de um da Grã Bretanha. O discurso de meia hora foi bem recebido por um público que manteve o discursante presente por mais uma hora e meia com perguntas pertinentes. De fato, o discurso foi tão bem recebido que o Dr. Bryan decidiu fazer uma pequena demonstração para ilustrar alguns dos pontos de seu discurso. Portanto, com a ajuda do Dr. Pierre Pichot como intérprete, alguns indivíduos foram colocados sob hipnose. Anestesia e outros fenômenos da hipnose foram produzidos e o público foi generoso em sua recepção dessa antiga arte que retorna à França.
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Depois dessa descrição do discurso está o texto do discurso em si. Depois disso está o texto de uma carta do Dr. Pierre Pichot agradecendo o Dr. Bryan por sua vinda ao hospital.
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Texto do discurso de 11 de setembro de 1958, no Hospital Psiquiátrico de Ste. Anne, Rue Cannibis, Paris:
Avanços Recentes da Hipnose nos Estados Unidos
Permitam-me, por favor, dizer-lhes o quanto sinto-me honrado por ter sido convidado a discursar para vocês, e permitam-me dizer-lhes muito humildemente que não tenho a intenção de fazer desta uma palestra de uma só via. Ao invés disso, solicito uma troca de idéias entre nossos dois países como um método para o avanço mundial do conhecimento científico sobre o assunto em pauta. Seria certamente presunçoso de minha parte falar-lhes a respeito do Hipnotismo, pois vocês tiveram líderes tais como Mesmer, Charcot, Bernstein e Janet. Para começar, foi vosso grande país que levou o mundo a reconhecer a arte, e minhas humildes contribuições nesse campo são apenas aquelas de um redecorador comparadas àquelas do arquiteto inicial. Entretanto, devido ao fato de vocês estarem interessados nas tendências dos acontecimentos nesse campo do hipnotismo na América, devo cobrir alguns pontos dos quais vocês podem não ter conhecimento.
Primeiro: nos últimos cinco anos, uma revolução tem acontecido em meu país em relação aos métodos de ensino em escolas de pós-graduação. Devido ao fato de a maioria dos médicos não poderem deixar suas ocupadas tarefas, quer para tirar férias, quer para uma educação de pós-graduação todo ano, e porque a educação de pós-graduação é um gasto que pode ser deduzido e não taxado pelo governo, muitos médicos começaram a combinar férias com o estudo de pós-graduação. Isto tem levado os estudos médicos de pós-graduação das salas de aula para navios de cruzeiro e para hotéis em estâncias. Desde a grande onda de utilização do hipnotismo na prática da medicina e da odontologia, nos últimos cinco anos surgiram não menos que quatro grupos principais de ensino do hipnotismo a médicos e dentistas, e nenhum destes grupos limita seu ensino ao hospital ou à faculdade. Na realidade, acontece o contrário. Existe o grupo de Dave Ellman, os Seminários de Hipnose, Simpósios de Hipnose e o Instituto Americano de Hipnose. Como Diretor Executivo do Instituto, posso lhes dizer que agora, como nunca antes, o praticante médio geral nos Estados Unidos, bem como sua contraparte na odontologia, está usando a hipnose como uma ferramenta terapêutica e de diagnóstico em sua prática. Quando consideramos que ensinamos de cinqüenta a cem novos doutores todo mês, vocês podem concluir que o uso desta arte está se espalhando rapidamente pelo país.
Segundo: Somente neste mês de junho a Associação Médica Americana aprovou oficialmente e endossou o ensino da Hipnose nas Universidades de Medicina e o uso da Hipnose como um método aprovado para tratar pacientes. Este foi um grande passo no avanço do hipnotismo em meu país.
Terceiro: O estabelecimentos de novas revistas clínicas e de novas pesquisas experimentais neste país, juntamente com associações como a Associação Profissional do Instituto Americano de Hipnose, a Sociedade Americana de Hipnose Clínica e a Sociedade de Hipnose Clínica e Experimental.
Quarto: As pessoas mesmo, tendo ouvido o que pode ser feito com a hipnose, estão perguntando cada vez mais aos seus médicos a respeito de seu uso em todos os tipos de doenças.
Estes quatro pontos, portanto, são responsáveis, mais do que qualquer outra coisa, pelo rápido crescimento do uso da hipnose na prática da medicina e da odontologia nos Estados Unidos.
Agora, provavelmente vocês estão querendo saber o que nós ensinamos em nossos cursos de hipnose para médicos e dentistas. Vocês podem achar interessante nosso curso de três dias para iniciantes. O curso é exclusivo, é claro, para médicos e dentistas. Nosso curso consiste de palestras, filmes, demonstrações, períodos em laboratório e sessões práticas bem supervisionadas. Esperamos que cada aluno demonstre sua habilidade para usar a hipnose antes do término do curso de três dias. Estes cursos são ministrados em fins de semana. História, sugestões, teoria, e gerenciamento do transe cobrem o primeiro dia. Perigos, concepções erradas, material clínico, crianças, e auto-hipnose cobrem o segundo dia, e no terceiro dia os grupos são divididos entre médicos e dentistas para instrução em suas especialidades. Este é o programa de nosso curso para principiantes.
Em que campo achamos que a hipnose tem mais valor? De maneira contrária, a hipnose parece ser de maior valor onde nenhum outro tratamento funcionou muito bem. No diagnóstico: onde todos os outros métodos falharam, um histórico completo e correto pode ser obtido usando-se técnicas de regressão sob hipnose. Eu chamei a atenção à importância disto em meu artigo publicado na edição corrente do British Journal of Medical Hypnotism. Na medicina: as causas profundamente enraizadas do alcoolismo, da enurese, da asma, do eczema, do prurido constante, e de muitas neuroses e psicoses podem ser descobertas através de cuidadosa hipnoanálise. E cirurgia: provavelmente o uso menos importante da hipnose é para fins de anestesia geral, e provavelmente o uso importante é obter as maravilhosas recuperações pós-operatórias sem náusea, quando a hipnose é utilizada.
A hipnose tem encontrado seu uso mais popularizado na obstetrícia e na ginecologia, pois hoje em dia existem muitas jovens que desejam experimentar o parto sem dor, além de desejarem permanecer totalmente conscientes e assistir o nascimento de seus bebês. Esta é uma experiência que testemunhei ser maravilhosa e estimulante para as jovem mães, sendo uma experiência de que elas sempre se lembrarão e que guardarão no coração. Uma experiência prazerosa não pode acontecer quando a mãe é entupida com grandes quantidades de sedativos e drogas alucinatórias. Na odontologia, o controle dos engasgos, do bruxismo e a cooperação do paciente obtida com a hipnose são nada menos do que miraculosos.
Os perigos do uso da hipnose são realmente poucos e consistem em sua maioria no esquecimento da remoção das sugestões, perigos de sugestão literal, e perigos ao médico devido a interpretações erradas por parte do paciente.
Por último, gostaria de discutir alguns dos projetos de pesquisa que no momento estão em andamento no programa do Instituto. Estamos experimentando o uso da hipnose para crescer os seios de mulheres simplesmente através da sugestão. Oito em cada nove casos tem mostrado uma melhora definitiva. Estamos tentando também ver se o sexo de uma criança que ainda não nasceu pode se determinado questionando o subconsciente sob hipnose. Nenhum resultado foi ainda obtido. Estamos usando a hipnose em relação à melhora da habilidade no funcionamento dos sentidos; i.e., surdez e cegueira. A hipnose também está sendo usada em relação ao novo processo de Mobilização do Estribo no ouvido, tanto para anestesia operatória quanto para testes de audição.
O acima, portanto, abrange resumidamente o campo da hipnose na América nos dias de hoje (1958), mas muitos outros projetos interessantes estão a caminho. Permitam-me, novamente, agradecer-lhes pela honra de ter aqui comparecido. Eu preferiria responder quaisquer questões em inglês, pois meu francês é muito limitado. Mais uma vez obrigado.
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Texto da carta do Dr. Pierre Pichot
Docteur Pierre Pichot
Professor Agrégé a la Faculté de Médicine
24, Rue des Fosses Saint-Jacques, Paris V
18 de outubro de 1958
Dr. William J. Bryan Jr. M.D.
1204 B Street, P.O. Box 738
Sparks, Nevada, U.S.A.
Caro Dr. Bryan:
Foi um grande prazer tê-lo encontrado em Paris, e nossos colegas aqui apreciaram muito sua apresentação bem estimulante da hipnose. Estou certo de que a hipnose tem um futuro importante na área da terapia psiquiátrica, provavelmente em outras áreas também, e tenho certeza de que você estimulou o interesse neste país.
Sinceramente,
Dr. Pierre Pichot
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(O artigo acima foi reimpresso do British Journal of Medical Hypnotism, com sua generosa permissão)
Nenhuma história do hipnotismo na França estaria completa sem mencionar o primeiro médico hipnotista francês, o Dr. Joseph Morlaas, chefe da Clínica Neurológica de Salpêtrière. O Dr. Morlaas participou na Faculdade do Instituto Americano de Hipnose ao ministrar o primeiro curso sobre Hipnose Médico-Dental na França desde 1840. Este aconteceu em 1960 no Hotel Claridge em Paris, sob os auspícios do Instituto Americano de Hipnose.
PARTE D: SUMÁRIO
Isto traz a história da hipnose até nossos tempos modernos. Desde 1958, o Instituto já ofereceu mais de 15 cursos diferentes em Hipnotismo em todas as maiores cidades dos Estados Unidos e no exterior. Literalmente milhares de médicos e dentistas foram introduzidos a esta importante arte da medicina. Em 1958, a Life Magazine estimou em 250 o número de médicos e dentistas qualificados a utilizar a hipnose em sua prática. É até duvidável que houvesse esse número; mas assumindo que assim fosse, nos últimos quatro anos, até 1962, devido ao diligente programa de ensino do Instituto Americano de Hipnose, existem agora cerca de 7.500 médicos e dentistas nos Estados Unidos totalmente qualificados a utilizar a hipnose em suas práticas, e assim estão ativamente procedendo. Isto representa um aumento de 3.000% comparado a 1958. Cerca de 44 mil operações foram realizadas em 1960 sob hipnose, sem uma única morte anestésica. Em 1961, 52 mil foram realizadas e 68 mil em 1962. Com o tremendo aumento da utilização da hipnose por médicos de todas as especialidades, o hipnotismo médico, tal como a radiologia, começou a ser uma especialidade em si, e os médicos que ainda não sabem como utilizá-la são cada vez mais rotulados como “doutores de carroça”, e logo ver-se-ão confrontados por processos por negligência profissional devido à falta de conhecimento que deveriam possuir sobre o assunto.
Talvez o maior progresso e avanço foi feito no campo da psiquiatria, onde técnicas demoradas e cansativas de psicanálise que duram cinco ou seis anos ou até mais, foram suplantadas por métodos rápidos, específicos e muito mais eficazes no tratamento das mesmas doenças, através da hipnoanálise. A Pesquisa Médica Moderna tem definitivamente provado que o tempo necessário para uma psicanálise completa pode agora ser reduzido de seis anos para aproximadamente três meses ou menos, através do correto uso das técnicas hipno-analíticas tais quais ensinadas pelo Instituto. Este fato é extremamente importante quando consideramos o relatório da Comissão Conjunta de Doença e Saúde Mental ao Congresso dos Estados Unidos em 1961. Afirmou-se neste relatório que “não mais de 20% dos 277 hospitais de Saúde Mental participaram dos modernos avanços planejados para torná-las instituições de tratamento, em vez de instituições de custódia!”
Tal como o tratamento da sífilis foi quase que completamente transferido da prática do dermatologista para aquela do clínico geral, devido ao desenvolvimento da penicilina e de outros antibióticos, assim também o tratamento de doenças psico-neuróticas e psicossomáticas, por causa dos avanços conseguidos na hipnose médica, está progressivamente tornando-se domínio do médico de família, com a indicação de casos difíceis ao médico hipnotista. Isto é assim porque agora, através do uso da hipnose, este tratamento não mais é complexo ou complicado como costumava ser sob outros métodos de tratamento ultrapassados. Nos dias em que se tratava a pneumonia através de anti-soros específicos, um especialista na área era freqüentemente necessário, e no entanto, hoje em dia o clínico geral americano trata a maioria dos casos de pneumonia com algumas injeções de penicilina, somente indicando casos especializados ou complicados ao médico internista.
O Instituto Americano de Hipnose também possui seus marcos de progresso. Celebrando seu oitavo aniversário, o Instituto tem sido responsável pela educação de milhares de médicos e dentistas no campo da hipnoterapia, e estabeleceu o único serviço de referência de seu tipo em todo o mundo. Hoje em dia, qualquer pessoa que queira encontrar um médico ou um dentista próximo à sua casa, que esteja qualificado a utilizar a hipnose, necessita apenas contatar o Instituto Americano de Hipnose; e ela receberá nome, endereço e número de telefone do médico ou do dentista qualificado em sua cidade.
No final de 1961, outra novidade na hipnose médica teve início, quando a primeira turma de advogados aprendeu a hipnose médica, não com o propósito de praticar medicina, mas para que possam possuir um conceito inteligente dos fenômenos ao lidar com eles nos tribunais em casos de negligência médica. Eles poderia assim reconhecer quando a prática da hipnose médica por um médico competente pode ser de valor para eles ou para seus clientes. (Veja-se meu livro entitulado Legal Aspects of Hypnosis, 1962, Charles C. Thomas). Existe um grande campo relacionado a Hipnose e a Lei, a superfície da qual nem sequer começou a ser arranhada.
Resumindo estes grandes novos passos da Hipnose e da Hipnoterapia, Wolberg com muita aptidão afirma: “a história da hipnose demonstra conclusivamente que esta não é uma causadora de milagres, mas com a exceção de afirmações extravagantes feitas por alguns de seus aderentes, esta é uma ferramenta muito importante e muito útil”. Esta afirmação mais ou menos consolidou a opinião moderna esclarecida a respeito da hipnose. Ao revisarmos a história do hipnotismo, vimos que este experimentou muitas ascensões e quedas de popularidade. Ele ainda experimentará outros cursos tempestuosos, devido à própria natureza do fenômeno, antes que seu lugar na medicina, na cirurgia e na odontologia seja completamente assegurado.
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Nota do Editor:
Texto extraído do Journal of American Institute of Hypnosis, que foi fundado por William J. Bryan, Jr., M.D.. Este artigo é datado de janeiro de 1963 e foi editado por Anne H. Spencer, Ph.D., em janeiro de 1998.
http://www.hipno.com.br
Nota do Tradutor:
Texto traduzido para o português e publicado aqui com a autorização da Dra. Anne H. Spencer, Ph.D., em junho de 2004.